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Foto: Renan Mattos (Diário)
Há quase seis meses lidando com o isolamento e o distanciamento social, a população lida, também, com os efeitos psicológicos decorrentes disso. O porta-voz do Centro de Valorização da Vida (CVV), Jorge Brandão, conta um pouco sobre os atendimentos de escuta emocional que a organização faz e dá dicas de como ajudar alguém que esteja precisando de apoio. Leia, abaixo, a entrevista:
Diário - Para quem ainda não conhece, fale um pouco sobre o Centro de Valorização da Vida, o CVV:
Jorge Brandão - É uma instituição não governamental que em 2022 completará 60 anos de atividade no Brasil. É uma das mais antigas do país. O seu dever é prestar serviço de apoio emocional a todas as pessoas que nos procuram pelo telefone ou pela internet. É um serviço sigiloso que oferece apoio emocional. A pessoa que ligar ou entrar no site, vai ser atendida por um voluntário ou uma voluntária, que foi preparado para isso. Os voluntários fazem um curso de 40 horas e vão atender sempre com muito respeito, não vão dar conselhos e vão procurar ouvir os sentimentos de quem precisa ser ouvido. O atendimento dura o tempo que a pessoa necessitar, e funciona 24 horas por dia.
Diário - Durante a pandemia, qual a faixa etária que vocês mais têm atendido?
Brandão - Pessoas de todas as idades, desde crianças até idosos. Todos nós temos desafios pessoais, independente do que esteja acontecendo no mundo. Mas a pandemia trouxe um desafio novo para todos. Então isso vem gerando inseguranças, medos e, principalmente, o sentimento de solidão. A pandemia tem sido o foco da maioria dos atendimentos já por ser algo tão novo que ninguém tenha passado ainda. A gente percebe que crianças a adolescentes têm procurado bastante. Talvez por estarem confinadas em ambiente familiar, sem suas atividades normais e tendo que lidar com o dia a dia que as famílias não estavam habituadas.
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Diário - É importante conversar sobre saúde mental desde cedo, com crianças e adolescentes, principalmente oferecendo suporte ou canais de ajuda?
Brandão - Sim, é muito importante. Nós temos um braço do CVV, que é o 'CVV Comunidade'. Ele atua como forma de prevenção, principalmente nas escolas públicas, não só de Santa Maria, como de toda a região. No ano passado tivemos vários encontros em escolas, falando principalmente com adolescentes, porque é um grupo de alto risco. Suicídios, tentativas de suicídio e automutilação tem aumentado muito nesse público. Professores ajudam muito no diálogo com os adolescentes, explicando sobre o valor da vida e o quanto é importante ter um sonho. É difícil passar por essa fase. Tanto em relação aos hormônios, quanto à necessidade que os jovens têm de se identificar em um grupo. Muitas vezes se sentem rejeitados, o que pode trazer problemas emocionais. Isso tudo a gente conversa nas escolas, já para que eles tenham uma percepção mais ampla da vida. E, por fim, apresentamos os canais que eles podem pedir ajuda.
Diário - No geral, quais os temas de maior demanda?
Brandão - A pandemia traz à tona diversas questões de ordem emocional. Todos nós ficamos com medo, né? Tanto nas questões de saúde, quanto nas questões financeiras, de trabalho, enfim. É claro que as pessoas falam muito disso nos atendimentos. O confinamento, em si, faz emergir certas coisas. Tem muito aquele sintoma de "estou me sentindo sozinho, mesmo estando em casa com a minha família, mas também não consigo ficar muito tempo com a minha família em casa". Tem pessoas que gostam de ficarem sozinhas, outras que não conseguem.
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Diário - A solidão ainda é preocupante mesmo em tempos de internet?
Brandão - A solidão nunca foi algo bom. Ela está entre um dos múltiplos fatores que podem levar ao suicídio. Nesse momento em que as pessoas são obrigadas a se isolar, elas se sentem, também, privadas da sua liberdade. Não é algo fácil de conviver e administrar. A solidão gera angústia, gera incertezas, principalmente nessa fase de distanciamento social. Até porque não se sabe quando isso vai terminar e de que forma vai terminar. A pandemia veio para somar aos desafios que já existiam. Ela nos tirou da zona de conforto. Prejudicou até os planos e sonhos futuros. Ficamos como em um barco à deriva. Com dificuldades de administrar nosso tempo, dificuldade de criar rotinas.
Diário - Como é possível ajudar quem está querendo tirar a vida?
Brandão - Primeiramente observar os sinais. Observar se a pessoa mudou muito o comportamento ou se ela passou a usar frases e comentários do tipo 'não estou encontrando sentido na minha vida' ou 'não está valendo a pena'. O que dizer não é tão importante, mas a forma como a gente 'abraça' essa pessoa. Muitas vezes, a melhor coisa é dizer 'eu estou aqui e do seu lado' ou 'conta comigo'. De repente perguntar 'não quer conversar sobre isso?' ou dizer 'eu posso ouvir você', 'você é importante para mim'. Essas palavras valem mais do que mil conselhos prontos ou comparações. Dizer que vai passar e que amanhã vai estar tudo bem não é o ideal. Temos que respeitar a dor do outro e procurar compreendê-lo. Incentivar essa pessoa a criar uma rotina e pegar gosto pelas atividades diárias. É importante que as pessoas procurem se comunicar umas com as outras. Ligar para familiares ou para aquela pessoa que faz tempo que não vê. O mais importante é procurar ouvir mais, porque hoje em dia se ouve muito pouco o próximo. Se as pessoas se escutassem mais, não precisaria existir o CVV. O sonho do CVV é que ele não precisasse existir.
Diário - O CVV pode dar sugestão ou conselhos?
Brandão - Nossos voluntários não aconselham. Eles são orientados a ajudar a pessoa a encontrar soluções para suas angústias. O simples fato de colocarmos para fora aquilo que nós sentimos, já é uma oportunidade de nos reinventarmos e nos organizarmos. Rever nossos conceitos e os nossos pensamentos se torna mais fácil quando a gente verbaliza aquilo que sentimos.
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Diário - Quais os canais para buscar apoio emocional do CVV?
Brandão - Pelo número 188, que funciona 24 horas por dia e é gratuito. Também temos atendimento pelo site, o www.cvv.org.br A grande maioria dos atendimentos são pelo 188, mesmo. Nós tínhamos, também, atendimento pessoal presencial na nossa sede que fica na Estação Rodoviária de Santa Maria, mas em função da pandemia, nós estamos atendendo só de forma remota.
Diário - Quantos voluntários o CVV tem e como funcionam os atendimentos?
Brandão - Nós temos hoje, em média, 3400 voluntários em todo Brasil. Aqui em Santa Maria temos 140 voluntários. É importante explicar que toda pessoa que ligar no 188 tem sua ligação atendida em uma central, por um voluntário em qualquer canto do país. Da mesma forma, os voluntários de Santa Maria atendem ligação de qualquer cidade. Os voluntários atendem das suas próprias casas, sem precisar ir até a sede. Por isso, a única coisa que mudou mesmo, foi que não temos mais atendimento presencial. Atendemos de forma que a pessoa tenha um mínimo possível de espera. Mas é claro que dependendo do horário, principalmente à noite, essa espera é um pouco maior. Mas assim, nós estamos empenhados em atender a todos aqueles que nos procuram em qualquer horário.